*Coluna produzida por Marco Leal

Em maio de 2017 um Marco de 20 anos passava por um momento crucial e complicado na vida.

Faculdade de manhã, trabalho à tarde, treino à noite. As horas que sobravam iam para o trabalho de conclusão do curso de Jornalismo, mas mesmo não havendo tempo para pensar, as dúvidas quanto ao futuro pós-faculdade são inevitáveis.

“O que fazer da vida a seguir?”

“É isso que eu quero?”

Os 20 são também o momento quando percebemos que aquele sonho de se tornar jogador já nem existe mais. Quando o joelho começa a doer e qualquer esperança de aumentar os um metro e setenta e poucos já foram embora.

Encontrar inspiração em um mundo cada vez menos esperançoso – quem diria que 2020 (e 2021 e 2022…) seria ainda mais apocalíptico – é algo difícil, ainda mais quando se quer viver de um esporte que não aquele do país do futebol.

Como toda criança, Marco sonhava em ser jogador… mas de basquete.

A estatura complicava tanto quanto o meio. As escolinhas são poucas, os clubes eram longe de casa, as oportunidades eram escassas.

Na história da NBA, Muggsy Bogues e Spud Webb eram inspirações, mas nenhum dos dois quebrou a barreira do “baixinho que joga na NBA”. Mesmo com carreiras respeitáveis de anos na Liga (Webb ainda foi campeão de enterradas!), eram o que eram.

Então teve Nate Robinson, que mais recentemente fez as notícias por levar um nocaute de um dos irmãos Paul (realmente não lembro ou ligo qual), mas que triplicou o feito de Webb e teve papel de destaque em ao menos alguns dos times que passou. Não chegou a ser uma estrela, mas era um nome.

Mugsy Bogues, de 1,60m, marcando Michael Jordan, de 1,98

“Ele tem a nossa altura”

A primeira vez que Marco ouviu falar de Isaiah Thomas foi quando seu melhor amigo apontou pro baixinho que colocava 20 pontos por jogo pelo Sacramento Kings, em 2014.

Ali, de leve, Marco começou a acompanhar a carreira do então menor jogador em atividade na NBA.

Última escolha do draft de 2011, Isaiah carregava no nome uma história que por si só merece ser contada.

Seu pai, James Thomas, era um torcedor fanático do Lakers, e apostou com um amigo que, caso o time de Los Angeles perdesse as finais de 1989 para o Detroit Pistons, batizaria o filho com o nome do destaque da equipe rival, Isiah Thomas.

Com a varrida do Pistons sobre LA, restava a benção da mãe, Tina Baldtrip, que concordou com o nome desde que este levasse a soletração bíblica: Isaiah.

Seus primeiros anos na NBA foram incrivelmente produtivos levando em conta sua posição no draft: médias de 11.5, 13.9 e 20.3 pontos em suas três temporadas com o Sacramento Kings – como cortesia, a franquia conhecida por boas escolhas o trocou para o Phoenix Suns por nada que mereça ser lembrado.

O Arizona não parecia o lugar certo em um time com Goran Dragic e Eric Bledsoe (então considerado um jovem promissor), mas logo depois… o encontro de acasos: o jogador mais baixo da NBA foi parar no time que Marco torcia.

Boston Celtics

Foto: Charles Krupa/ Associated Press

Na verdade, Marco nem sabia bem o que era torcer por um time na NBA. Colorado desacreditado (em 2017 a equipe gaúcha estava na segunda divisão pela primeira vez em sua história), Marco acompanhava jogadores, mas seu favorito, Kobe Bryant, aposentou em 2016 – além de jogar pelo Lakers, o maior rival do Celtics.

A escolha pela equipe de Boston foi quase induzida: seu primeiro grupo de amigos que acompanhava a Liga era todo verde, e uma equipe com Paul Pierce, Ray Allen, Kevin Garnett e, principalmente, Rajon Rondo, era bem atrativa.

Nos treinos, Marco tentava imitar os passes e fintas de Rondo, e ensaiava debates sobre ele ser o melhor armador da NBA na época (sim, era).

Existia afinidade, mas não paixão pela equipe Celta. A ida de Isaiah, então, se tornou fundamental.

Em sua primeira meia temporada em Massachusetts, Isaiah se tornou referência ofensiva (médias de 19 pontos e 5.4 assistências) e liderou o time de volta para os Playoffs, ganhando 8 dos últimos 9 jogos. A varrida para o Cavs de LeBron James parecia protocolar, mas a esperança havia voltado.

Na temporada 2015-16, o inesperado.

Selecionado como All-Star (o mais baixo da história ao lado de Calvin Murphy), Isaiah teve médias de 22.2 pontos, 6.2 assistências e 1.1 roubos de bola por jogo, liderando a equipe para o sexto lugar no Leste e ainda anotando 42 pontos na vitória no jogo 3 contra Atlanta – em série que a equipe perderia em seis jogos.

O que nos leva a temporada 2016-17.

Não é sorte…

Foto: Charles Krupa/AP (jersey)

Talvez jogada incrível de marketing do time que tem no trevo seu símbolo, talvez outro acaso gigantesco, o slogan do Boston Celtics para a temporada 2016-17 dizia tudo: não é sorte.

Em meio ao que deveria ser um processo de reconstrução, a equipe Celta terminou na primeira posição do Leste, muito graças à temporada mágica de Isaiah Thomas.

Com 28.9 pontos por jogo, e ganhando o apelido de Rei no Quarto, Isaiah se tornou sensação em um ano onde Russell Westbrook e James Harden brincaram de quebrar recordes. Com mais uma seleção de All-Star, e se tornando o jogador mais baixo a ser selecionado para um time ideal da NBA (dividindo o perímetro do All-2nd Team com Stephen Curry), tudo parecia um sonho.

Para Marco, em meio às turbulências de seu último ano de faculdade, a injeção de ânimo ao ver um jogador com seu tamanho brilhar na maior liga de basquete do mundo, pelo seu time, era o equivalente à uma sequência de treinamentos em um filme do Rocky.

Sucesso profissional, tragédia pessoal

Toda grande história tem um obstáculo a ser superado. Para Isaiah Thomas sempre foi o tamanho, mas isso já parecia ter ficado para trás.

Quis o acaso tornar o ano de 2017, nas palavras do próprio, o melhor e o pior de sua vida.

No dia 15 de Abril daquele mesmo ano, Chyna Thomas, irmã de Isaiah, faleceu em um acidente de carro.

“Eu nunca poderia imaginar o dia em que minha irmãzinha, Chyna, não estaria aqui. Ela e minha família são tudo para mim, então a dor que estou sentindo agora é impossível de se colocar em palavras”

Isaiah, em comunicado oficial

Isaiah sendo consolado pelo companheiro de equipe, Avery Bradley, antes do primeiro jogo contra o Bulls – Foto de Andrew Joseph / USA Today

Um dia após o falecimento de Chyna, a equipe de Boston começava sua campanha nos Playoffs da NBA. 

Apesar de visivelmente abalado, Isaiah, com o nome da irmã escrito nos tênis, teve um bom primeiro jogo anotando 33 pontos, mas a equipe inteira parecia afetada e iniciou a série contra o Bulls com duas derrotas, ambas em casa. O time se recuperou e venceu os próximos quatro jogos com Isaiah liderando o caminho, garantindo um encontro com seus rivais de temporada regular, o Washington Wizards.

Isaiah repetiu os mesmos 33 pontos no primeiro jogo da série, ajudando o time a largar na frente na disputa – para a mãe, e para o próprio Isaiah, o número 33 se repetir três vezes nas primeiras sete partidas pode muito bem ter sido, também, um sinal.

Mas o que já era uma história que beirava o inacreditável, tomou proporções extraordinárias.

53

No segundo jogo da série contra o Wizards, Isaiah Thomas proporcionou, ao menos para o Marco de 20 anos, mas com certeza para muitas outras crianças, adolescentes e quase adultos, um daqueles momentos que só o esporte pode proporcionar.

No dia 2 de Maio de 2017, no que seria o aniversário de 23 anos de sua irmã, Isaiah quebrou o recorde de pontos em um jogo de Playoff da franquia com mais história na NBA.

53.

29 somando o último quarto e a prorrogação, e uma torcida que já viu 17 títulos, de Bill Russell à Larry Bird passando por John Havlicek, entregue ao menor jogador da NBA.

Eu

Lembro de me sentir naquela noite como não me sentia desde o mundial do Internacional, em 2006.

Se a paixão pelo clube é uma construção social e culturalmente coletiva, a emoção de ver a temporada 16-17 de Isaiah Thomas foi algo pessoal, único.

Desde então, as lesões o impediram de voltar a ser o que era, pulou de time em time, desacreditado e sem oportunidades duradouras para mostrar que ainda tinha valor na NBA.

Ontem, no dia 21 de Março de 2022, o Charlotte Hornets – equipe presidida por Michael Jordan e na qual Mugsy Bogues passou toda a carreira – anunciou que assinou o contrato de Isaiah até o final da temporada, após ganharem 7 de 9 jogos desde que o adquiriram em um contrato de dez dias.

Recebi a notícia com uma alegria semelhante à daquela noite de 2 de Maio de 2017. A mesma inspiração que ajudou o Marco de 20 anos a superar um dos momentos mais agitados de sua vida até ali, renova as esperanças do Marco de 25, ainda na luta, mas com a certeza de que, pelo menos as vezes, o trabalho duro compensa.

Em sua carta de despedida ao Celtics, Isaiah disse que caso encontrasse alguém, anos depois, que lhe falasse que começou a torcer para Boston por sua casa, isso já seria o suficiente.

Falo por mim e por muitos outros: você fez muito mais do que isso.

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