O jogo que (quase) ninguém viu
Não precisa ser maluco por basquete para já ter ao menos ouvido falar no Dream Team. O que fica escondido atrás das atuações memoráveis daquele selecionado de estrelas é justamente o jogo que mudou o rumo da história. Um simples “rachão” contra uma equipe de garotos se transformou na única derrota daquele super time. Com ginásio fechado, sem imprensa para registrar, só restaram os depoimentos de quem esteve presente aquele momento.
A origem
A expressão (que significa Time dos Sonhos) é muito usada quando nos referimos a times de outros esportes que reúnem grandes estrelas da modalidade ou até mesmo quando falamos sobre outros assuntos.
Exemplo: “Essa playlist, com Beatles, Rolling Stones, Metallica, Iron Maiden e outros, reúne o Dream Team do rock”. E por ai vai…
Na prática, a usamos quando falamos dos melhores entre os melhores. E foi justamente isso que aconteceu no início da década de 1990.
Dream Team foi o nome dado a seleção de basquete dos EUA que disputou as Olimpíadas de Barcelona em 1992. Dream Team porque era um time formado por alguns dos melhores jogadores de basquete de todos os tempos – um sonho para qualquer amante do esporte!
O time
Os três principais nomes eram Michael Jordan, Magic Johnson e Larry Bird. Mas havia ainda outros nomes fantásticos: Patrick Ewing, Karl Malone, Charles Barkley, Scottie Pippen, David Robinson, Clyde Drexler, John Stockton e Chris Mullin.
O ‘intruso’
O único no grupo que não era uma estrela da NBA era o ala/pivô Christian Laettner, que se destacava na Universidade de Duke e que, depois dos Jogos de 1992, foi escolhido no draft pelo Minnesota Timberwolves e jogou na NBA até 2005.
O técnico
Para comandar o time de feras, o técnico escolhido foi Chuck Daly, que estava à frente dos Bad Boys do Detroit Pistons nas conquistas da NBA em 1989 e 1990.
Apesar de ser o técnico mais indicado para o cargo, lidar com todas aquelas estrelas não era uma tarefa fácil. Prova disso é Jordan e companhia boicotaram a convocação de Isaiah Thomas, e Chuck não pode contar com um dos principais responsáveis (se não o principal) pelo sucesso do Pistons.
O histórico
Essa seleção dos EUA só surgiu em 1992 porque, antes, a FIBA proibia que profissionais jogassem as Olimpíadas. Então, até os Jogos de 1988, os EUA mandavam para Jogos Olímpicos seus melhores universitários – o que era mais do que suficiente. Afinal, foram 7 medalhas de ouro nas 7 primeiras vezes que o basquete masculino esteve nas Olimpíadas: de 1936, até 1968 – lembrando que as Olimpíadas de 1940 e 1944 foram canceladas por conta da 2ª Guerra Mundial.
A rivalidade
Nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, a hegemonia dos universitários acaba quando os EUA perdem a final para a União Soviética e ficam com a prata – num jogo pra lá de questionado (http://abre.ai/confusao_1972).
Essa derrota ligou um alerta nos EUA e ficou martelando na cabeça dos americanos por um bom tempo. A revanche tão esperada não acontece nas Olimpíadas seguintes, em Montreal-Canadá (1976), porque a União Soviética perdeu a semifinal para a Iugoslávia; que perde o ouro para os EUA.
Por conta da disputa entre EUA e União Soviética na Guerra Fria, os norte-americanos não vão disputar os Jogos de 1980, na União Soviética; e a União Soviética também boicota as Olimpíadas seguintes e não disputam os Jogos de Los Angeles, em 1984.
O Pan de Indianápolis
A revanche poderia vir nos Jogos de 1988, em Seul, na Coreia. Porém, antes disso, acontece outro episódio que fez o estadunidense mudar o pensamento sobre jogar com suas estrelas na seleção. Uma história que os brasileiros conhecemos muito bem, que foi a vitória do time de Oscar, Marcel e companhia no Pan-Americano de Indianápolis, em 1987 (http://abre.ai/final_pan_1987).
A derrota em casa para a seleção brasileira foi o golpe final para os EUA começarem a fazer campanha pela liberação dos astros da NBA em Jogos Olímpicos.
Para piorar, nas Olimpíadas de 1988, EUA e União Soviética se encontram na semifinal com vitória dos soviéticos por 82 a 76.
A mudança
No dia 17 de abril de 1989, foi votada e aprovada, em assembleia da FIBA, a possibilidade de profissionais atuarem em competições mantidas pela federação internacional. Pronto, agora era só montar um time dos sonhos para atropelar todo mundo nas Olimpíadas de Barcelona-1992. Só faltava combinar com os craques…
Com muito esforço, os dirigentes e técnicos da seleção conseguiram reunir num único time Jordan, Johnson, Bird e todas as outras estrelas, mais o garoto Christian Laettner, que era uma (quase) estrela da NCAA na época.
A derrota
Sem Isaiah Thomas, que foi boicotado, mas recheado de estrelas, talento e vaidade, lá foi a seleção dos EUA para seu primeiro treino visando a disputa do Pré-Olímpico, já que não tinha vaga direta nas Olimpíadas.
Como de costume, os EUA reuniram um selecionado de jogadores universitários para auxiliar nos treinos. Essa, pelo menos, é a teoria, porque na prática a molecada quase não vê a cor da bola.
E assim era esperado que acontecesse, principalmente contra a maior seleção de basquete de todos os tempos.
Só que no dia 22 de junho e 1992, no primeiro treino do Dream Team, aconteceu o que ninguém esperava… e que ninguém viu.
Num treino fechado para imprensa, a equipe de garotos jogou como nunca e conseguiu o improvável: venceu o time dos sonhos.
O placar final foi 62 X 54 para os universitários. Placar, aliás, que ninguém viu, já que Chuck, técnico do Dream Team, mandou apagar o resultado antes que os jornalistas entrassem no ginásio.
O apagão
No livro ‘The Dream Team’ (http://abre.ai/the_book), o autor Jack McCallum fala que, quando todo mundo pensava que as estrelas iam querer decidir o jogo sozinho, pegar a bola e resolver, eles fizeram exatamente o contrário.
O próprio Scottie Pippen admitiu que eles não sabiam jogar juntos e não queriam machucar o ego um do outro. O resultado disso foi a derrota para um time de garotos.
Mike Krzyzewski, também conhecido como Coach K, que era auxiliar técnico do Dream Team, afirma categoricamente que tudo não passou de uma estratégia do treinador Chuck Daly. A ideia era deixar o Dream Team se virar, fazer tudo errado, perder e começar a ouvi-lo.
Segundo Coach K, naquele treino, Michael Jordan quase não foi aproveitado e ficou no banco boa parte do jogo. Além disso, toda vez que ia comentar algo para que Chuck fizesse mudanças, ouvia do treinador a resposta tranquila: “Estamos bem Mike, estamos bem”.
A teoria defendida por Coach K, e que nunca foi confirmada por Chuck (que faleceu em 2009), é que o técnico sabia que, com tantas estrelas, era difícil pensar que algo poderia dar errado. Mas o boicote ao Isaiah Thomas mostrou a personalidade daquele time. O que o técnico teria percebido logo de cara é que aqueles jogadores só poderiam ser derrotados por eles mesmos. Mas faltava fazer que eles entendessem isso.
O time de garotos
Mas afinal, quem eram esses universitários e para onde foram?
A verdade é que não se tratava de um bando de desconhecidos. Os escolhidos para “treinar” o Dream Team já eram jogadores com destaque no basquete universitário e, depois, marcariam seus nomes na história da NBA.
O mais conhecido talvez seja o ala/pivô Chris Webber (http://abre.ai/chris_webber), que na época atuava pela Universidade de Michigan e foi 1ª escolha do draft de 1993, feita pelo Orlando Magic – que o trocou com o Warriors, onde foi eleito o novato do ano. Ele jogou 15 temporadas na NBA, passando ainda por Washington Bullets/Wizards, Sacramento Kings, Philadelphia 76ers, Detroit Pistons, retornando para o Warriors onde encerra carreira em 2008. Foi All-Star cinco vezes e o número 4, que usou no Sacramento Kings, foi retirado na franquia.
Outros dois que tiveram destaque na NBA estavam em Duke quando enfrentaram o Dream Team, são eles: Grant Hill e Bobby Hurley.
Hill atuou como ala (http://abre.ai/grant_hill) e foi a 3ª escolha no draft de 1994 feita pelo Detroit Pistons. Ele jogou ainda por Orlando Magic, Phoenix Suns e se aposentou no LA Clippers, em 2013. Em 1995, foi o primeiro novato a conseguir a maior votação dos torcedores para o All-Star Game.
Já Hurley foi um armador (http://abre.ai/bobby_hurley) que viu sua carreira na NBA enfraquecer após um acidente de carro, em dezembro de 1993 – poucos meses depois de ser a 7ª escolha do draft feita pelo Sacramento Kings. Ele retornou em 1994/95, mas jogou apenas mais quatro temporadas, encerrando sua passagem na liga com a camisa do Vancouver Grizzlies, em 1998.
Da Universidade de Memphis, o ala/armador Penny Hardaway também foi chamado e fez parte daquele time de garotos. Bem mais alto que a maioria na posição (2,1 metros), Hardaway foi a 3ª escolha do draft de 1993 feita pelo Golden State Warriors, que o trocou com o Orlando Magic (http://abre.ai/hardaway). Ele jogou ainda pelo Phoenix Suns, NY Knicks e Miami Heat, onde encerrou a carreira na NBA em 2007.
De Kentucky, o selecionado foi o ala Jamal Mashburn. Ele esteve mais de uma década na NBA (http://abre.ai/mashburn), que começou quando foi a 4ª escolha do draft de 1993 feita pelo Dallas Mavericks. Jogou ainda por Miami Heat, Charlotte e New Orleans Hornets, encerrando sua carreira na liga em 2004.
Da UNC (Carolina do Norte), saiu Eric Montross, um pivô de 2,13 metros que foi 9ª escolha do draft de 1994 feita pelo Boston Celtics e passou por vários times: Mavs, New Jersey Nets, 76ers, Pistons (http://abre.ai/montross) e Toronto Raptors – que foi sua última franquia na liga, em 2002. Em comum em todos os times, o fato de sempre usar o número 0 – ou 00.
Bom chutador da linha dos três pontos, o ala Allan Houston foi selecionado da Universidade do Tennessee para atuar naquele “rachão”. Ele foi a 11ª escolha no draft de 1993, feita pelo Detroit Pistons. Na temporada de estreia na NBA, teve médias de 8.5 pontos por jogo e elevou esses números nas duas temporadas seguintes, com 14.5 e 19.7 pontos de média. Como agente livre, foi para o NY Knicks em 1996 e ficou por lá até deixar a NBA, em 2005 (http://abre.ai/allan_houston). Um problema crônico no joelho impediu Houston de ter melhores desempenhos.
Por fim, Rodney Rogers foi um ala/pivô que na época que foi selecionado para “ajudar” o Dream Team nos treinos, atuava pela Wake Forest – onde, inclusive, teve seu número 54 retirado. Ingressou na NBA no draft de 1993 como 9ª escolha feita pelo Denver Nuggets (http://abre.ai/rogers_nuggets). Atuou ainda por Clippers, Phoenix, Celtics, New Jersey Nets, Toronto, New Orleans (quando ainda era Hornets) e encerrou sua passagem em 2005 pelo 76ers.
E o Dream Team?
A história depois daquela derrota – que (quase) ninguém viu – pode ser resumida em números.
O Dream Team passou fácil pelo Pré-Olímpico, vencendo as seis partidas por média de 51,5 pontos por jogo. E nas Olimpíadas de Barcelona, foi campeão invicto sem perder nenhum tempo e ganhou todas as partidas com uma diferença de, no mínimo, 32 pontos.