O gigante de 1,60 m

Quando se fala em basquete, imediatamente pensamos em um tipo físico específico de atletas: os bem altos. Geralmente, bem perto ou acima dos dois metros de altura.

E tem lógica. A dinâmica do jogo que tem como objetivo fazer com que a bola chegue ao cesto (que está a 3,05 metros do chão – tanto na NBA quanto na FIBA), faz com que a altura seja determinante para um jogo de força dentro do garrafão. O alcance dos membros proporcionado pela altura (a famosa envergadura) é crucial. Logo, os mais “baixinhos” são sempre os armadores.

 

Mas os jogadores considerados baixos no basquete profissional são geralmente bem acima da média de altura da população geral. Há grande uma diferença entre “baixinhos” no basquete e nós, “meros mortais”. E essa diferença tem uns 20 centímetros.

Armadores profissionais costumam medir entre cerca de 1,80 m a 1,90 m. Para efeito de comparação, a média mundial é 1,73 m para homens e 1,60 m para mulheres (http://abre.ai/media_mundial). Os holandeses, que são considerados os mais altos do mundo, têm 1,83m (homens) e 1,70m (mulheres).

NA TERRA DE GIGANTES
Os caminhos até o esporte profissional são difíceis. Não é segredo para ninguém que ser um jogador de basquete (ou de qualquer outro esporte) exige muito mais do que vontade. Chegar até uma liga do tamanho da NBA, então, nem se fala…

Mas, alguns caras conseguiram façanhas pouco imagináveis e nos mostraram que, acredite se quiser, não só de gigantes vive o basquete.

Atualmente, o nome mais conhecido talvez seja Isaiah Thomas, armador que fez sucesso com a camisa 4 do Boston Celtics mas que, depois de uma série de transferências pouco entusiasmantes, foi dispensado pelo LA Clippers em fevereiro.

Com seu 1,70m, Thomas destoa do restante em quadra. Tempos atrás, ao olhar dez segundos para a TV ligada num jogo dos Celtics (quando Thomas brilhava), minha mãe me perguntou se tinha uma criança jogando no meio de adultos. Para mim, nada explica melhor o tamanho da diferença (literalmente).

Acontece que Thomas com seu 1,70 m está apenas na oitava posição do ranking dos mais baixos que já passaram pela NBA. Difícil de acreditar, sete jogadores atuaram na liga medindo menos de 1,70 m (http://abre.ai/lista_mais_baixos ).

No topo dessa lista está Muggsy Bogues, com 1,60 m e 61 kg.
Completamente fora dos padrões, esse armador é mais baixo que o “Baixinho”. Romário, craque do Tetra e um dos maiores atacantes da história do futebol, ganhou o apelido de “Baixinho” por ter 1,67 m. Ou seja, 7 centímetros a mais que Bogues.

Curiosamente, Romário ficou conhecido por ser fatal dentro da pequena área – algo impensável para Bogues se compararmos ao garrafão.

O CAMINHO
Num resumo rápido, a carreira de Bogues seria digna de aplausos.

Ele foi um armador que jogou 14 temporadas na NBA em quatro equipes diferentes. Foi escolhido no draft de 87 pelo Washington Bullets (hoje Wizards), atuou dez temporadas no Charlotte Hornets e, antes de encerrar a carreira em 2001, passou por Golden State Warriors e Toronto Raptors.

Se acrescentarmos que conseguiu uma sólida carreira na NBA medindo 1,60 m, teremos que aplaudi-lo de pé.

A pergunta que fica é: como um cara de 1,60 consegue chegar até a NBA e jogar em alto nível? A resposta não pode ser outra a não ser talento. Sem ele, nada adiantaria toda determinação de Bogues. Mas, não fosse essa vontade, seu talento não teria espaço na terra de gigantes.

O MELHOR TIME HIGH SCHOOL
Bogues nasceu em Baltimore, em 1965, e cresceu num conjunto habitacional da periferia. Seu nome verdadeiro é Tyrone Curtis Bogues, e Muggsy é um apelido que ganhou na infância – era nome de um personagem de um show de TV americano da época.

Criado pela mãe, já que o pai foi preso quando ainda era criança, Muggsy passou a adolescência (final dos anos 70, começo dos anos 80) convivendo com a criminalidade. Foi a época que o crack explodiu nos EUA e, consequentemente, a criminalidade também aumentou.

Bogues encontrou a saída no esporte, no caso, no basquete. Não só ele, mas outros garotos de Baltimore – esse, aliás, é o nome de um documentário da ESPN 30 for 30: “Baltimore Boys”. Esse longa conta a história de Bogues e seu time no colégio na Dunbar High School, simplesmente considerado o melhor. Basta dizer que, do quinteto inicial, quatro – Muggsy Bogues, Reggie Williams, David Wingate e Reggie Lewis – acabariam jogando na NBA.

Esse time ficou a temporada de 1981-82 invicto com 29 vitórias. Em seguida, mais uma temporada irretocável com 31 triunfos e nenhuma derrota, sendo considerado pelo jornal USA Today o melhor time de high school.

No livro “The Boys of Dunbar: A Story of Love, Hope, and Basketball” (http://abre.ai/livro_amazon), Alejandro Danois conta detalhadamente como foi essa temporada de 81-82 e como o técnico Bob Wade, um ex-jogador da NFL, transformou a vida desses garotos.

UNIVERSITÁRIO
Naquela realidade de criminalidade, o esporte foi a única chance desses jovens chegarem até uma universidade. Foi assim que Bogues foi jogar pela Universidade de Wake Forest. Por lá, manteve as boas médias com 11.3 pontos, 8.4 assistências e 3.1 roubos de bola por jogo na primeira temporada.

 

No último ano, chegou a 14,8 pontos, 9,5 assistências e 2,4 roubos de bola por partida. Esse último quesito foi o que fez sua fama nas quadras. Tanto que, quando encerrou a passagem pelo basquete universitário, era o líder da ACC em roubos de bola e assistências.

Enquanto jogava por Wake Forest, foi convocado para defender os Estados Unidos no Mundial da FIBA de 1986, que foi disputado na Espanha. Na ocasião, os EUA derrotaram o Brasil na semifinal (96 a 80) e ficou com a medalha de ouro após vencer a União Soviética (87 a 85 – http://abre.ai/final_86esp) – com Bogues na armação. Aquele Mundial ainda teve Dražen Petrović como MVP e contou com Oscar Schmidt e Arvydas Sabonis na seleção do campeonato.

NA NBA
Contrariando a lógica do “esporte de gigantes”, Bogues manteve boas médias e, depois de um breve período jogando no Rhode Island Gulls da USBL, chegou ao draft de 1987, algo quase inatingível para um jogador de 1,60 m.
Num draft que teve como primeira escolha o pivô David Robinson (da Marinha dos EUA para o San Antonio Spurs), Muggsy foi selecionado como a 12ª opção feita pelo Washington Bullets.

O mesmo draft ainda teve Scottie Pippen como 5ª escolha feita pelo Seattle SuperSonics, que fizeram a troca com o Chicago Bulls.

Escolhido pelo Bullets, Muggsy não teve números incríveis em sua temporada de estreia (fez 79 partidas na temporada regular e média de 5 pontos, 5.1 assistências e 1.6 roubos de bola por jogo).

Na verdade, sua passagem por Washington ficou mais marcada pela curiosa parceria com Manute Bol, um pivô africano (Sudão do Sul) de 2,31 m. Até hoje ele divide o posto de maior jogador da NBA com Gheorghe Muresan (Romênia). A diferença entre Bol – que morreu em 2010 – e Bogues era de 71 centímetros.

CHARLOTTE
Depois dessa temporada pelo Bullets, Bogues virou agente livre em 88 e foi para o Charlotte Hornets, time que ingressava naquele ano na NBA. Por lá, ficou dez temporadas e fez história.

Foi com a camisa número 1 do Hornets que ele ficou conhecido como um passador excepcional, um grande ladrão de bolas e um dos jogadores mais rápidos em quadra.

Alguns de seus números pela franquia de Charlotte até hoje são imbatíveis. Bogues lidera as médias do Hornets em minutos jogados (19,768), assistências (5,557) e roubos de bola (1,067). Como nem tudo são flores… é dele também a maior média de turnovers da franquia (1,118).

Atuando por uma das equipes mais famosas da década de 90, Bogues estrelou campanhas publicitárias e chegou às telonas no filme Space Jam, ao lado de Michael Jordan, Pernalonga e sua turma. Na trama, ele, Charles Barkley, Shawn Bradley, Larry Johnson e Patrick Ewing tiveram suas habilidades roubadas por alienígenas (http://abre.ai/space_jam).

CULPA DE MJ?
Pausa para uma “teoria da conspiração” – há quem acredite que um lance envolvendo Michael Jordan teria acabado com a carreira do pequenino Muggsy Bogues.

Ele teria acontecido nos playoffs de 1994-95, temporada que marcava o retorno do Jordan depois que ele saiu para jogar beisebol.

Com a camisa nº 45, mesma que usou na MLB, ele comandou o Bulls numa campanha que parou a semifinal de conferência diante do Orlando Magic.

O lance em questão, com Bogues, teria acontecido no jogo 4, o decisivo do primeiro playoff entre Bulls e Hornets. Vale ressaltar que, naquela época, o primeiro playoff da NBA era decidido em melhor de 5 jogos. E foi com uma vitória naquele jogo 4 que Chicago fechou a conta em 3 a 1 e avançou.

No lance que supostamente teria acabado com a carreira de Muggsy, Jordan teria recuado, chamado Bogues de anão e falado para ele chutar. O chute acontece, a bola bate no aro e o jogo segue.

Teorias da conspiração à parte, há de se destacar que o lance não foi decisivo no jogo (que terminou 85 a 84 para o Bulls). A jogada acontece quando ainda restavam mais de quatro minutos para o fim. Além disso, ao ver a imagem nota-se que Jordan não recua, mas para.

Além disso, o lance é muito rápido e é quase impensável que MJ tivesse tempo de dizer alguma coisa, muito menos de recuar e gritar alguma coisa para Muggsy (http://abre.ai/jogada_polemica).

Depois desse jogo, Bogues teve uma temporada péssima. Em 1996, atuou apenas seis jogos devido a uma lesão no joelho – e não pelo que supostamente Jordan teria dito.

Mas, como uma teoria da conspiração é pouco…

Há quem acredite que o boato de que Jordan arruinou a carreira de Bogues tenha partido do próprio MJ. Tudo porque o astro do Bulls estaria P da vida com um lance no primeiro jogo dos playoffs, quando (com falta), Bogues bateu a carteira de Jordan (http://abre.ai/roubo_bola).

Um belo enredo, mas longe da realidade.

DESPEDIDA
A carreira de Bogues em Charlotte terminou quando ele foi negociado, juntamente com Tony Delk, para o Golden State Warriors em troca de B. J. Armstrong.

No Warriors, sua primeira temporada foi a melhor, com média de 5.5 assistências e 5.8 pontos por jogo.

Em seguida, novamente como agente livre, assinou com o Toronto Raptors, onde terminou a sua carreira sem grande destaque – a não ser por ter feito 80 jogos em 1999-2000 com 21.6 minutos por jogo.

Foi negociado com o NY Knicks e o Dallas Mavericks, mas nem chegou a atuar e parou mesmo em 2001.
Depois de aposentado, ele foi trabalhar no ramo imobiliário e depois também foi técnico do Charlotte Sting, time da WNBA – ele ficou de 2005 a 2007 e levou os Sting a um recorde de 14-30 antes de ser demitido.

Em 2011, virou técnico principal da United Faith Christian Academy, em Charlotte.

E a ligação do armador com o Charlotte Hornets foi atestada em 2014, quando Bogues foi nomeado embaixador da franquia, participando no processo de reconstrução da equipe que, curiosamente, tem Michael Jordan como dono.

Embora tenha números modestos na NBA, encerrando a carreira com 7.7 pontos, 7.6 assistências e 1.5 roubos de bola, Bogues ganhou fama pelo estilo de jogo: rápido e preciso (http://abre.ai/bogues_highlights).

E, claro, por conseguir façanhas pouco comuns para um jogador de 1,60 m (acredite se quiser, ele deixou a NBA com 39 tocos).

O que Muggsy Bogues fez na verdade não foi mostrar que basquete não é um esporte só de gigantes. Com muito talento e determinação, ele mostrou que não se mede um gigante por sua altura, mas sim por quão alto ele pode chegar. 

Here is your JavaScript code: Place this code in the section: Place this code where you want the "Below Article Thumbnails" widget to render:
Place this code at the end of your tag: